DO ECCE HOMO E A SÍNDROME DE PILATOS

 


João: 19.5 

Saiu, pois, Jesus fora, levando a coroa de espinhos e roupa de púrpura. E disse-lhes Pilatos: Eis aqui o homem.


"A maior antítese do medo, acreditavam os antigos, é o amor – o amor de cada guerreiro para com seus irmãos de armas. Nas Termópilas, na manhã final, quando os derradeiros sobreviventes espartanos sabiam que morreriam, viraram-se para um dos líderes, o guerreiro Dienekes, e lhe perguntaram em quais pensamentos deveriam se concentrar nas horas finais para manterem a coragem. Dienekes os instruiu a lutar não em nome de conceitos grandiosos como patriotismo, honra, dever ou glória. “Nem lutem”, disse ele, “para proteger sua família ou sua pátria”. Lutem apenas para isto: pelo homem que está ao seu lado. Ele é tudo, e tudo está contido nele. "Hoje em dia”, as orações dos soldados na véspera de uma batalha continuam não sendo “Senhor, me poupe”, mas “Senhor, não me deixe me mostrar indigno dos meus irmãos”.¹

Relatos como esses nos levam a olhar para dentro de nós e analisar com mais cuidado a nossa força militar. Militar? Sim, porque estamos diante de dois soldados; enquanto Pilatos lutava contra a própria consciência favorecendo a sua posição política, Cristo, enfrentava o pecado de outros apegando-se apenas à obra salvífica do Pai e ao efeito dela na vida de seus irmãos, em outras palavras, dois homens e duas frentes de batalha. Talvez essas duas figuras ilustram o grande dilema da humanidade, abraçar a aparência ou render-se à consciência.

O Pilatos contemporâneo...

O que de fato é lutar contra a própria consciência; por que estamos mais preocupados em cumprir protocolos a fazer o que nos aproxima da lucidez? Chul Han, um pensador sul-coreano, radicado na Alemanha, acertadamente, responde que em nossos dias: 

“O explorador é ao mesmo tempo o explorado. Agressor e vítima não podem mais ser distinguidos. Essa autorreferencialidade gera uma liberdade paradoxal que, em virtude das estruturas coercitivas que lhe são inerentes, se transforma em violência. Os adoecimentos psíquicos da sociedade de desempenho são precisamente as manifestações patológicas dessa liberdade paradoxal.²


É claro que o Pilatos de hoje consente em torturar Jesus de um modo mais sofisticado; ele não está preocupado apenas com a posição alcançada, na verdade, o pódio encontra-se distante e a corrida, pelo que vimos até agora, pode ser caracterizada como: atalhos sombrios que nutrem um ideal insólito. 

Perceba, para que Pilatos permaneça na corrida, seus ideais dependiam do extermínio do sagrado, O Verbo, a Suma razão de tudo. Da mesma sorte, o sucesso pregado hoje requer a desgraça e o fracasso do outro. Você há de convir que mesmo com todo o avanço que a humanidade granjeou, a multidão alega lucidez ao celebrar seres ociosos palestrando a favor da auto exploração; discursos como: “dê o seu melhor”; “faça das suas poucas condições meios para o grande sucesso”; “tudo é questão de mentalidade” (...) são ótimos impulsos para a autoflagelação.

Eis aqui o homem!

O princípio de Dienekes retrada bem O maior Soldado que a humanidade pôde contemplar. Cristo não foi um pastor que lutou pelo sucesso financeiro; não vendeu cursos de jejuns; não fugiu para países capitalistas, por medo de governos comunistas; não fez viagens milionárias com os dízimos de seus discípulos; não construiu templos suntuosos para atrair curiosos; não promoveu cantores avarentos; não amontoou pessoas buscando bajulação e em nenhum momento foi cabo eleitoral de políticos. Qual dos dois homens o evangelicalismo brasileiro se parece?

E se você, caro leitor, ainda não desenvolveu a síndrome de Pilatos, cuide-se e busque ao Senhor de toda a tua alma.

Por Daniel Santos 

¹ PRESSFIELD, Steven. O Espírito do Guerreiro. Tradução de Mirna Pinsky. São Paulo: Contexto, 2020, p. 43.

² HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. Tradução de Enio Paulo Giachini. – Petrópolis, RJ : Vozes, 2015, p. 45 (PDF).




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